Os ombros suportam o mundo
Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos
tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.
Em vão mulheres
batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na
sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes
sofrer.
E nada esperas de teus amigos.
Pouco importa venha a
velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa
mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro
dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se
libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo
prefeririam (os
delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um
tempo que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.
Drummond
______ E tem dias que não é preciso se esforçar para criar nada que consiga expressar o que sentimos, porque já ouve alguém num passado azul, que conseguiu reunir todas as sensações num lindo poema.